Registo de uma vida

'Vagueava pela noite, sozinho. Havia acordado com pesadelos e lembranças do passado, à procura de um abraço para o acalmar, de algo para o consolar. Passava por um estranho caso de carência afectiva,  suas necessidades não haviam mais sido saciadas. Queria mais; tentava mais. Com base nas suas atitudes comportamentais, comentavam que era a sua loucura que mais se evidenciava na sua estranha personalidade. Vincada. Forte, tal como ele mesmo. Todavia, esqueceram-se de algo: sabia soltar-se dos emaranhos que o prendiam aos velhos hábitos; sabia salvar-se (de si próprio). Talvez fosse a sua loucura que lhe conferisse estes traços. Talvez ele soubesse disso. Mas, talvez, ele nunca venha a mudar.
Sentava-se constantemente a ler registos antigos da sua vida. A importância destes já não era tão intensa como fora anteriormente. Mas havia sempre um registo, pelo menos um, que o comovia de uma forma invulgar, diferente de qualquer um dos restantes. O registo de alguém diferente, alguém marcante, alguém que ele nunca esqueceu. Sabia que nada podia fazer para impedir o sucedido, que arrependimentos não lhe devolveriam a velha forma de ser. De lutador que era, nada lhe restava a não ser lutar contra aquele estado de espírito que o perturbava asperamente, que o consumia em chamas.
Não raras as vezes, eram os registos que lhe davam a força necessária e, talvez por esse motivo, eles fossem base de si,
Continuava, step by step, todos os dias, à procura de melhores dias.'

Pedro Miguel